Show da turnê Abraçaço arrebata público do sábado
Publicado em 21/07/2013, às 19h43
Bruno Albertim
Se Recanto é, como ele mesmo
diz, um disco de Caetano cantado por Gal, Abraçaço é também
transCaetano. Para ressaltar o jeito híbrido, malandro, polissêmico,
heredoxo de apresentar suas peças, Caetano lançou mão de um conceito:
disse que não é rock o que faz agora, com o final da trilogia com o
excelente power trio da banda Cê. Mas transrock. Ao incorporar sambas,
afoxés e outros badauês às guitarradas, é, portanto, transCaetano.
Caetano cantando Caetano deixou em
êxtase coletivo a multidão da Praça Guadalajra no último sábado. Palco
nu, apenas os rapazes da banda em seus postos, um dos pés suspensos, ele
dá início com a seminal A bossa nova é foda, arrancando o primeiro coro
da plateia. Tensiona o público, mas logo vai da aspereza apaixonada da
primeira música para a delicadeza lírica de Coisa linda.
O novo disco é executado quase que
integralmente. Mas em alguns momentos, clássicos de outros Caetanos
ganham leitura mais hard com a guitarra de Pedrinho Sá e a bateria de
Marcelo Callado.Triste Bahia, ganha densidade roqueira, noisy, quase
psicodélica, como se não tivesse pertencido à Transa, mas ao radical
álbum Araçá Azul. Recônvexo ganha afagos ásperos da guitarra de Pedro
Sá.
Já no final, o amigo Arto Lindsay que
estava nos bastidores depois de ter tocado com a Orquestra Contemporânea
de Olinda subiu ao palco e, com as antinotas de sua guitarrasa,
desconstruiu a radiofônica Você não entende nada. Em Eclipse oculto,
simulou tirar a blusa e não ecomomizou nos gestos sexualizados - aliás, o
recurso à sexualização da performance, de Ney à Karina Buhr, tem
marcado presença na Guadalajara.
Recônvexo ganha afagos da guitarra. Na
canção-título, "Abraçaço", se ouve: "Meu destino eu não traço / Não
desenho ou desfaço / O acaso é o grão-senhor / Tudo o que não deu certo /
Eu sei que não tem conserto / Meu silêncio chorou chorou". E Caetano
encarava a plateia, provocativo, como se disesse: eu sou trans. Sou
Caetano. Deixando a fina estampa, o terno, o banquinho e o violão de
lado, o que Garanhuns viu no último sábado foi Caetano interpretando um
outro Caetano. Mesmo que para lembrar que a bossa nova é foda.
Antes dele, os meninos da Orquestra
Contemporânea de Olinda pareciam ter tomado azougue, tamanha a carga
incediária com que deram início ao conserto quase sempre sublinando pelo
frevo com pose de rock star. Nas coxias, a banda de Caetano acompanhava
atenta ao que se dava no palco. "O trabalho deles é muito forte,
complexo, denso", dizia Pedro Sá.
Mas quando o produtor do último disco da
banda, Arto Lindsay entrou, descontruiu vigorosamente a orquestra.
Botou sua guitarra para dialogar com cada um dos instrumentos. O duelo
com a bateria de Gilsinho parecia quase sexual. "Mas são esses meninos
que estão me ensinando mais sobre o sexo", dizia ele, bem-humorado, nos
bastidores, feliz por estar de volta à cidade onde, antes de produzir
gente com Gal e Marisa Monte, morou quarenta anos atrás.
Mais cedo, Cida Moreira incendiou o
teatro Luis Souo abarrotado com seu recital a Dama Indigna. Sozinha, ao
piano, a mezo soprano, abriu com uma versão cababré de Simpathy for the
devil, dos Stones e, lá pelas tantas, imprimiu uma densidade ainda mais
complexa à Back to black, de Amy Winehouse. Cida é assim: quando canta,
faz tudo o mais parecer secundário. Logo depois, às 19h, na frente do
Mosteiro de São Bento, o grupo mineiro Galpão apresentou sua versão de
Os gigantes da montanha, a fábula dramática de Pirandello sob a direção
de Gabriel Vilella. Numa história cheia de referências à resistência do
próprio teatro, fez o que faz quando o Galpão vai à rua: encantar.
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